quinta-feira, junho 02, 2011

Do chá e da chuva

As gotas pesadas como pedras redondas caiam com toda a força no telhado. Era hora de interromper a leitura e fazer um chá. Chá de Ibsen, Tchékhov, Strindberg, Maeterlinck e Hauptmann com laranja e canela. Perfeito para a ocasião.
Aquilo havia se tornado um ritual – fazer chá. Aprendera com tio Iroh a dar valor a esses momentos sublimes diante de uma água em princípios de borbulhar no fogão. Os cheiros que subiam eram o ápice do ritual. A mão direita segurava o bule e a esquerda, aberta, espalmada para cima debaixo do bule – sem tocá-lo – derramavam o líquido no recipiente. Com uma reverência. Sempre.
Agora sobre a escrivaninha o chá do lado direito. Vela acesa. Lembranças apareciam. Do dia. De antes. De nunca. Saudade. Mãos respeitosas levam o chá à boca. Havia falado com quem amava há pouco. Tão longe e feliz. Um gole de chá. O vapor embaçava os óculos. Tanta coisa pra contar. A empolgação era como a chuva. Agora só gotas fracas machucavam de leve o telhado. Chá sem açúcar. Como deve ser. “Você não pode abrir mão de leituras rebuscadas. Como vai argumentar a vida assim?” Eu pensava. “Quer que eu vá até você?” Eu não acreditava. Sempre quis ir. Mas não tão fácil. O chá já não está tão quente. Quando esperamos a vida esfriar para que não saiamos queimados corremos o sério risco de, experimentar uma vida sem gosto. Não nos fará mal, mas também não nos completará como precisamos. O calor é essencial ao movimento interno. Quase no fim do chá. Eu esperei o chá esfriar no alto do morro e agora imagino como seria se eu tivesse arriscado queimar minha boca na sua outra vez. O azedo da laranja, o amargo da canela.



Geraldo Rocha, Licenciando em Artes Cênicas, 3° Período


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