segunda-feira, novembro 05, 2012

Máquina de Fabricar Conversas: Entre paredes e murmúrios.

ENTRE PAREDES E MURMÚRIOS.
Gabriel Miranda Coelho



A– Levante, lave e pinte o seu rosto para que fique vivo como o meu.

B– Levante, desamarrote este rosto cansado pelas marcas das teias do tempo, este ar mórbido, cheiro de poeira, corpo putrefato.

C– Estou presa a este corpo como quem é preso ao passado de um deserto sombrio que já não me recordo mais, e que também não quero. Vêm sempre imagens a tona do que eu fui e fujo, mas para onde? Estou farta de mim mesma. Apenas sei que sou mulher. Ana, Maria, Gabriela, Tereza, virgem, puta, EU SOU!

D– Eu lavo o seu rosto, menina.

E– Tudo na vida passa menos poeira e bagunça.

C– Sou apenas carne; carne, osso e merda.

F– Limpo como ninguém as marcas deixadas pelas fincadas do relógio. Dou banho, levo para passear, tomar o sol da manhã. Ainda tenho a vitalidade de antes, ave de rapina. Dentro de mim não corre sangue; corre força, ar fresco e juventude.

E– Pena, pena. Tenho pena.

B– Anda menina, mostre o rosto, levante-o. Seja útil, já que a presença é nada agradável... abra as pernas, deixe nossos convidados entrar com a força de mil cavalos, barcos à vela, canhões a disparar e a vida restabelecer nessas entranhas secas, natureza morta de frutas secas.

E– As frutas secas são ótimas opções para lanches entre as principais refeições. Duram mais que as frutas frescas, são mais práticas e conservam os mesmos nutrientes só perdendo o líquido da fruta. É um alimento saudável, totalmente natural, sem adição de conservantes e açúcares.

D– Muito útil o seu comentário, minha senhora...

F– Faço ótimas receitas caseiras com frutas secas, pena que a memória não anda lá essas coisas, deliciosas, assim que lembrar. Faço tortas, como carne, bebo o cálice, roo as unhas.

A– As mesmas memórias de sempre? Eu as fiz melhor que você, e seu marido sabe disso... Adentra a boca maçã fresca, líquido divino de ardor salgado, fiquei tão ocupada com as mordidas da serpente em meus lábios, que de uivo subi aos céus, fiquei sentada à direita de Deus Pai, todo poderoso, de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos.

C– Minha alma anda tão ressecada, morta, sem brilho e sem cor. O que fiz meu Deus? Para merecer tamanha peste em minha miséria permanente. Eu que sempre fui viva, não tão bela, mas melhor que os dias atuais. Sinto dores que não sentia, meus joelhos estão firmes, custam a se mover, penso que estou ficando velha.

B– Quebrada, nunca teve um centavo furado no bolso, mostrava as pernas para arrecadar fundos, tudo seu sempre foi decadente, sem brio. Ah... quanta preguiça desse fim de mundo e ter que aguentar isso por toda a eternidade! Absolva-me para a luz, Senhor, antes que eu enlouqueça com essa morta e meu resto de estômago vomite!

F– Criei um emplasto para marcas de desespero e fim da cor. Ah, minha memória, tenho que encontrar o meu caderno com soluções.

E– Basta usar a crendice, ela age nas sete proteínas da pele responsáveis pelo rejuvenescimento. O resultado é uma pele mais firme e hidratada, com tom uniforme, rugas preenchidas e linhas menos aparentes.

B– Se esqueceu de usar?

A– Nem todas foram agraciadas com um ar sedoso e saudável quanto o meu.

D– Claramente foi abençoada por nosso Senhor Jesus, que Ele cuide dos seus caminhos e olhe...

E– olhe como e onde estamos, todas na merda, que agraciamento tem nisso? SILÊNCIO!
Pensei ter ouvido o relinchar do pássaro negro que beija a morte.
Não foi nada, talvez sejam ratos, baratas e larvas corroendo nossos restos. RISOS POR TODOS OS LADOS. Corroendo nossos restos.

B– Mostra o rosto criatura do inferno, sofredora, satânica e obsessiva.

C (cantando) – Meu mundo caiu
E me fez ficar assim
Você conseguiu
E agora diz que tem pena de mim
Não sei se me explico bem
Eu nada pedi
Nem a você nem a ninguém
Não fui eu que caí
Sei que você me entendeu
Sei também que não vai se importar
Se meu mundo caiu
Eu que aprenda a levantar

E– Mostrar o rosto? Que criatura do inferno, sofredora, satânica e obsessiva?

B– a sua mãe, estúpida.

E– ah, explicado, falava da sua mãe!

D– Sua mãe era tão bela, você também é! Será que posso fazer algo para ocupar o tempo das minhas grandes inspirações?

B– Puta! Minha mãe era uma puta.

E– Não fala assim, ela era prostituta, sempre elegante de pernas abertas, disputadas por todos os mendigos leprosos. Estamos todas no mesmo limbo que importância tem isso agora?

B– Como Brás Cubas, dedico esse espetáculo ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver, dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas.

C– Me libertem daqui! Estamos presas, somos presas perfeitas para olhos atentos. O relógio bateu 3 horas, as voltas do tempo nos rodeiam, trazendo essas rachaduras no espelho, as mesmas de um rio em estado de seca progressiva. Onde sofri abusos dos mais variados tipos, degolada e dada de alimento aos vermes e lagartos mortos de fome e desejo.

Acorda, vem ver a lua
Que dorme na noite escura
Que surge tão bela e branca
Derramando doçura
Clara chama silente
Ardendo meu sonhar
As asas da noite que surgem
E correm no espaço profundo
Oh, doce amada, desperta
Vem dar teu calor ao luar
(...)

D– Eu queria tanto ter impedido! Você estava tão linda com aquele vestido preto, bordado a mão, tão branca. Eu tentei, tentei corri gritei nada aconteceu além dos meus gritos respondidos pelo eco. ECO. ECO. Sangue correndo por entre a terra e o vestido preto bordado a mão tão branca sem uma gota Eu desesperada gritei, gritei nada respondia além do eco e do vazio. Eu tentei, minhas mãos ficaram sujas e eu...
OLHA, UM ESTALO.
TUDO SE MODIFICA TÃO RÁPIDO, CAMINHAM, NÃO ENCOSTEM, NÃO ENCOSTEM, NÃO.
Suspiro uma, duas e três vezes. Não me lembro, onde eu estava. Ele estava lá, abre a porta

C– (...) Quisera saber-te minha
Na hora serena e calma
A sombra confia ao vento
O limite da espera
Quando dentro da noite
Reclama o teu amor
Acorda, vem olhar a lua
Que brilha na noite escura
Querida, és linda e meiga
Sentir meu amor e sonhar

A– Banhada em vinho branco, dos pés a cabeça. Me afogo

D– gritos, ouço gritos, o que eu fiz, posso ajudar? Hein

A– torta, a porta, luzes me cobrem, me envolvem como sempre

D– te darei eletrochoques para satisfazer seu brilho

A– amordaço com seda branca da minha gravata

D– quer que ajude a respirar?

A– Levarei para meus lençóis de 500 fios egípcios, depois de usada me livrarei do resto. Dos seus restos.

A e D– Ahhhh MORTAS

F– Bem vindas, eu sei que chegaram agora. A porta da casa está aberta, esse ar fresco que perpassa por nós é momentâneo, logo estaremos em um local quentinho e aconchegante.

C– Somos pobres restos de mulheres abandonadas à própria sorte, julgadas e condenadas por todos que nos olham! Façam alguma coisa, apanhamos diariamente nas ruas, nas casas e vocês só olham! O que farão? NADA, nunca fazem nada, que tipo de humano é você que nos deixam fragilizadas, cuspindo sangue. Que nos condenam por toda uma infinitude de tempo? Ajude-nos! Tire-nos daqui!

F e E IMITAÇÃO– Quando cheguei aqui era tudo tão desajustado, ao longo do tempo fui colocando em ordem a casa, a comida, as paredes e os murmúrios, os murmúrios, sim, os murmúrios, quase nem existem mais. Vim sem ter o que por na boca, cá estou eu. Mas por que eu?

B– Estão chegando, estão chegando... as embarcações atracaram, homens de todas as cores descem armados, rodeiam, riem, matam nossos filhos, comem da nossa comida! Estão chegando, estão chegando para nos fazer o mal! Estupram nossas filhas! Desejo porque desejo: SÍNDROME DE MÖBIUS, FETUS IN FETU, PROGÉRIA, DISPROSOPIA, EPIDERMODISPLASIA VERRUCIFORME, SÍNDROME DE PROTEUS, PORFIRIA CUTÂNEA, ELEFANTÍASE, FIBRODISPLASIA OSSIFICANTE PROGRESSIVA, DUPLICAÇÃO PENIANA, PSORÍASE Para que sintam na própria pele a dor de uma guerra. METRALHADA

F– Senhoras, sejam bem vindas...

E– Quando cheguei aqui era tudo tão desajustado, ao longo do tempo fui colocando em ordem a casa, a comida, as paredes e os murmúrios, os murmúrios, sim, os murmúrios, quase nem existem mais. Vim sem ter o que por na boca, cá estou eu. Mas por que eu?

F– Aprendeu comigo rápido minha querida, entrem! Cheguei aqui há anos, a inveja gera cobiça no que temos e no que somos. Sequei com algo dentro de mim que corroia, adentrava minhas entranhas, definhei, perdi. Entrem, entrem... bem vindas...

C– Pobre suicida colocou a própria vida nas mãos de um homem que nada podia fazer a não ser estuprar, espancar, espancar e estuprar. E nesse momento, eu juro. Nós somos infinitos! O próprio pai, aquele que do esperma se fez embrião, criança e mulher.

E– Madame Bovary, não resisti e morri.
ORGASMOS, MURMÚRIOS, TORTURAS

C– Aqui suspendo a crônica das saudades. Saudades verdadeiramente? Puras recordações, saudades talvez se ponderarmos que o tempo é a ocasião passageira dos fatos, mas sobretudo – o funeral para sempre das horas.
POST MORTEM

C– NASCIMENTO DE VÊNUS, A LUZ DO PARTO VAI ALÉM DO QUE PODEM VER OS OLHOS. MOSTRA SEU ROSTO.

OBSERVAÇÃO: Para melhor compreensão do texto, ler pdf, já que para o blog houve problemas com a edição, que se faz necessária para entendimento.