quinta-feira, novembro 10, 2011

Bonecos encantadores em opções duvidosas, da série: críticas do FENATA

Categoria: Teatro de Bonecos/Animação
Dia: 10/11/2011.

O espetáculo O menino que abria portas – Eruma Vezeu, da Cia. Articularte – Teatro e Bonecos, de São Paulo, tem um grande mérito: seus bonecos. Confeccionados pela também atriz Surley Valério – que faz a voz de Eruma Vezeu, protagonista da história – alguns bonecos são encantadores, como o menino Eruma e seu amigo Lico, outros são bastante inventivos e possibilitam efeitos inusitados, como a Mãe, cujos braços esticam até dominar toda a cena, e o corpo-mola do cão Trapo que, aos olhos do espectador, torna ainda mais simpático o companheiro inseparável de Eruma.
Outro aspecto interessante de O menino que abria portas é o jogo que ocorre entre os bonecos e os atores-manipuladores, marcado desde o início do espetáculo. De cara, há um jogo cômico do Velho – que, na voz de Renato Bego, será o narrador da história – com dois deles: a moça (Luiza Andrade), com quem é só carinhos, e o atrapalhado rapaz (Paulo Mendonça), com quem esbraveja e fica nervoso. Com a entrada do menino Eruma, este jogo se amplia na brincadeira da bola, que ele deixa cair inúmeras vezes para a mesma moça pegar, como as crianças pequenas costumam fazer. Também são interessantes os usos do cenário que, bastante simples, mas funcional, transforma-se em esconderijo, barca na chuva e cemitério, bem como a manipulação de luzes e sombras.
No entanto, a adaptação do texto de Luís Alberto de Abreu – a cargo de Dario Uzam, que também assina a direção – deixa a desejar. A dramaturgia apresenta várias lacunas (que também a encenação não resolve), não amarrando as ações e situações que ocorrem em cena, além de tornar confusas algumas relações já dadas. Nesse sentido, é exemplar a relação entre o menino e o Velho: embora seja perceptível que ambos sejam a mesma pessoa (até pelas semelhanças entre os bonecos, que também têm o mesmo nome), algumas escolhas cênicas e textuais – como a informação de que os dois meninos, Eruma e Lico, azucrinavam o velho que morava no fim da rua, ou seja, o narrador – tornam incongruente o desfecho, quando, ao atravessar a última porta – a morte – o Velho reencontra seu amigo de infância e primeira perda do menino Eruma, o cão Trapo.
Também em relação ao motivo central, fio condutor da narrativa, a dramaturgia peca: a insistência na idéia de que o menino “abria portas” não se concretiza em cena: não parece haver portas “fechadas”, para ele ou para os outros, que precisem ser abertas. De fato, o que é dado a ver é a passagem de Eruma pelas diversas fases da vida, pois vemos o menino crescer, descobrir amigos, o mundo, a morte e o amor.
Mas, sobretudo, o que mais me incomoda em O menino que abria portas é a manutenção de comportamentos sociais retrógrados, como os clichês de gênero. Isso se dá em relação à menina Lila, primeiro amor de Eruma, que é loirinha, bonitinha e cheia de frescuras de “meninas”, e também em relação à Mãe, única responsável pela educação do menino, pois o pai – assim como os desenhos animados que também repetem esse clichê – está sempre ausente. Porém, o aspecto mais grave dessa manutenção é, a meu ver, em relação, justamente, à educação das crianças. Embora seja algo muitíssimo naturalizado em nossa sociedade, tratar o uso do castigo físico como uma forma de punição não só comum, mas bastante aceitável, ou seja, tratá-lo de forma tão leve (e leviana) parece-me bastante questionável em uma montagem que se pretende para crianças. 

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