quarta-feira, novembro 09, 2011

Teatro popular, teatro político, da série: críticas do FENATA

Categoria: Teatro de Rua.
Dia: 08.11.2011
  
           O espetáculo Deus ajuda os Bão, apresentado ontem no Calçadão, pelo Coletivo Boato Clandestino (Curitiba/PR) e dirigido por Karla Neves, é uma atualização cênica de texto homônimo, escrito por Arnaldo Jabor para os extintos CPC (Centros Populares de Cultura) da UNE. Embora tenha sido escrito há mais de 50 anos, o texto trata de temática bastante atual, ainda presente na sociedade brasileira contemporânea: as relações de opressão.
            Em função disso, parece mais do que pertinente a utilização que o Boato Clandestino faz, para a adaptação que ontem assistimos, das técnicas e formas teatrais desenvolvidas pelo grande teórico brasileiro Augusto Boal, reunidas sob a denominação de Teatro do Oprimido. Segundo o projeto de montagem do coletivo, são justamente nessa estética que os principais elementos teatrais encontrados no espetáculo tiveram origem, tais como a utilização da “imagem opressor/oprimido na criação do figurino, adereços e maquiagem” e da música como fio condutor da narrativa. A música – executada ao vivo por Asaph Eleutério – é, aliás, um dos aspectos mais interessantes do espetáculo.  
A filiação ao teatro de linhagem brechtiana é evidente desde o início de Deus ajuda os Bão, tanto no que diz respeito à relação com o público, como também no que concerne às decisões estéticas: à maneira épica, os quatro atores – Jeferson Walaszek, Igor Schiavo (responsável pela adaptação do texto), Juliana Leitoles e Valeria Zimermann – vão, à vista do público e a partir dos quatro caixotes que guardam todos os adereços necessários à encenação, trocar de personagens, montar os cenários e construir as situações que marcam a trajetória de Formiguinho, cidadão comum que parte em uma verdadeira saga, a fim de conseguir colocar uma simples portinha em sua casa.
            Para conseguir a autorização necessária, Formiguinho galga, degrau por degrau, a escala dos poderosos: do bandido, “dono” da comunidade na qual ele vive (clara referência às favelas e à guerra do tráfico de drogas), ele passa ao vereador e, deste, ao apresentador de programa de auditório – em citações diretas a vários “ícones” da mídia televisiva – que o remete, então, ao deputado-latifundiário (referências à corrupção política, à exploração do trabalhador rural e ao MST) para, enfim, por uma “trilha de McDonald´s”, chegar ao Tio Sam, numa crítica evidente ao imperialismo cultural e econômico dos Estados Unidos. Em todas as instâncias, seu pedido é negado e Formiguinho resolve então, por sua conta e risco, colocar a portinha de qualquer jeito. Nesse momento, ao público é deixada a decisão de mudar ou não o final da história de Formiguinho: deixá-lo ser assassinado pelo manda-chuva de sua comunidade, ou, com a solidariedade de todos, realizar seu sonho tão simples e justo?
            A partir dessas e de outras referências pertencentes ao contexto social brasileiro da atualidade, a montagem traz, para os dias de hoje, as questões presentes no texto de 1959, aproximando o espectador e exigindo dele uma participação ativa nos acontecimentos, sem perder em clareza e em divertimento, pois, como dizia Brecht, o teatro é, antes de tudo, diversão.

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