terça-feira, novembro 08, 2011

Educação sem didatismo, da série: críticas do FENATA

Categoria: Teatro de Bonecos/Animação
Espetáculos dos dias 07 e 08 de novembro de 2011.

         Ontem e hoje pude assistir, dentro da programação do FENATA, a dois espetáculos de animação do Grupo Teatro de La Plaza (SP), ambos feitos para crianças: Histórias com Desperdícios, com dramaturgia, atuação e direção (dividida com Carlos Canosa) de Hector López Girondo, também responsável pela dramaturgia de Revolução na Cozinha, bem como por sua direção e atuação, ambas compartilhadas, no segundo caso, com Júlio Pompeo.
Ainda que eu questione certa tendência didática que o teatro para crianças parece possuir – como se a relação do adulto com a criança fosse sempre de lhe ensinar algo, ao invés de com ela aprender – devo dizer que, no caso dos dois espetáculos assistidos, ao aspecto educativo, somou-se o jogo lúdico.
Histórias com Desperdícios tem, como mote central, a história de um catador de lixo que, ao encontrar um velho rádio, mergulha no universo da fantasia, transformando, à vista do público, todo o “lixo” que se encontra espalhado pelo palco em cenários e personagens de múltiplas histórias. A aparente simplicidade dessa transformação é um dos aspectos mais interessantes do espetáculo, bem como o uso de uma língua inventada, uma espécie de grammelot no qual se misturam sonoridades e palavras de línguas diversas, como o português, o inglês e o espanhol. Diante de nossos olhos, nascem edifícios e casinhas de papelão, rios de plástico, árvores de garrafas, montanhas, maquinarias e diversos personagens cujas histórias se interligam a partir de elementos que conectam um espaço construído em cena a outro, como, por exemplo, o ônibus que leva às crianças à escola, para depois atravessar campos e rios e dar lugar à história do casal que, de certo modo, remete à história do próprio catador.
O espetáculo trata não somente do consumo desenfreado e de suas conseqüências ambientais, como o desperdício, o lixo e a poluição, mas também da massificação do ser humano, de sua desumanização e possível destruição. Notável a reação das crianças, no que diz respeito ao homem, também interpretado por Girondo, que vem para solucionar problemas e que traz, com sua ação, problemas ainda maiores. Inicialmente entusiasmadas com toda a destruição que ele promove do cenário (quem nunca viu uma criança construir algo somente para ter o prazer de destruí-lo em seguida?), elas logo vaiam sua atitude, quando essa mesma destruição começa a se transformar em morte, quando o jogo deixa de ser lúdico para feri-las em sua humanidade.
Apesar dos méritos, Histórias com Desperdícios é mais irregular do que Revolução na Cozinha, principalmente no que diz respeito à dramaturgia, mais bem amarrada neste segundo trabalho que, também em relação ao jogo dos atores com os objetos e em relação à sua ludicidade, tem melhor resultado.
Nesse espetáculo, a partir da história de um chef de cozinha que, atrapalhado com a feitura de seus pratos, resolve comprar uma máquina para ajudá-lo em seus afazeres, vemos os habitantes da cozinha ganhar vida e se revoltar contra a chegada da máquina que só sabe fabricar hambúrgueres, ameaçando a existência saudável de todos eles. Aqui, o aspecto pedagógico não é tão evidente, soando mais como uma leve crítica ao imperialismo das grandes redes de fast food, como a McDonald´s, pois a máquina pretende dominar o mundo. Para detê-la, ao chef vão se unir os seres que ele, com sua imaginação, fabricou a partir dos objetos de cozinha e dos ingredientes culinários – como a ajudante Margô e a dama-vassoura, com que ele dança um tango – além da jovem platéia que, mesmo sem estímulos diretos, participa ativamente do jogo cênico.
Do espetáculo, merece destaque, ainda, a primorosa manipulação de Júlio Pompeo, invisível em relação à boa parte dos objetos, bem como a atuação de Héctor Girondo que conseguiu captar, com sua simpatia, a cumplicidade do público, fazendo-nos embarcar no jogo entre a realidade e o sonho.
Em tempo: fui a ambos os espetáculos com meu filho Thomás e ele, como criança sagaz que é, é sempre um bom termômetro no que se refere a esse universo teatral: gosto de ver suas reações e conversar com ele sobre suas impressões para, delas, destilar o meu olhar sobre o trabalho: obrigada, Thomás, pela colaboração nesta crítica.

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